Ab-sinto-me

depois do terceiro copo, você vê as coisas
como elas realmente são: Terríveis
Oscar Wilde


Ab-sinto-me


Como se tivesse bebido um litro inteiro de absinto.
Estou sob os defeitos da terceira idade.
Uma calamidade.


Eu devia ter parado na primeira dose, aos doze,
quando o mundo era como eu queria que fosse.

Ou lá na curva da juventude,
onde, segundo Wilde, no segundo copo
a gente vê as coisas como elas não são.


Meu erro foi acreditar nele.

Ele parou de beber com pouca idade
vendo as coisas como são no terceiro copo:
só um porre.


Se ele passasse do quarto copo,
saberia que, na verdade, as coisas são bem piores.


Não vou me matar, não, amigas.
Não sou suicida.
Sou curiosa, teimosa e compulsiva.
Vou beber dessa vida até a última gota
porque acredito que ela tenha uma relação íntima
com o efeito do absinto.


Pressinto que, no quinto copo,
as coisas estarão como me sinto
dentro do corpo depois de cinco décadas:
decadente, indecente.

Mas, no fim do litro,
findo o líquido,
estarei em equilíbrio.
Livre e leve como pluma.


E o copo e o corpo
não terão importância alguma.