Fábula italiana contada por
minha mãe
Em 1954, o editor italiano Einaudi encomendou ao jovem escritor Ítalo Calvino, uma pesquisa das fábulas italianas mais populares na Itália, para competir com as as clássicas coletâneas francesa e alemã de Perrault e dos Irmãos Grimm.
A pesquisa resultou numa bela coletânea que foi publicada em 1956 com o título Fiabi Italiani. Imagem do livro
Uma das fábulas mais populares e antigas do livro é “Giovannin Senza Paura”, que eu conhecia por Botapor. É uma história infantil, assustadora, como eram a maioria das lendas antigas passadas de boca em boca pelos italianos, há mais de 300 anos.
Minha mãe contava uma versão sem pé nem cabeça. Melhor dizendo: tinha pés, braços, pernas e cabeça que caiam um a um do teto, da nossa casa de madeira mal iluminada por um lampião à querosene e pelas brasas do fogão à lenha.
Lembro da mãe, Sunta, à noite, mexendo a polenta e falando:
- Bota?
- Botapor!
Esse diálogo já é uma adaptação do dialeto Talian falado no Brasil pelos imigrantes e traduzido para o português. No dialeto original de Veneto é “Butto? Butta, poi !”. Cada vez que o monstro botava (do verbo botar = largar, deixar cair) um pedaço do corpo, a mãe nos assustava batendo com a méscola (colher de pau) na tampa da panela.
Apesar do medo, sempre pedíamos para ela contar a mesma história. E ela contava, cada vez diferente, misturando palavras em português com Talian.
Depois dos sessenta anos de idade, já avó, eu tive a oportunidade de ler o livro Fiabe italiane, do Clavino, traduzido para o português. As lembranças de infância vieram à tona. Acredito que a mãe ouviu essa história contada pela nossa bisnonna, que ouvi da nossa trisnnona (tataravó) e assim foi passando adiante até chegar a minha vez de contar para meus filhos e netos.
Dedico esse livro a meus netos Lucas e Lara e aos que ainda virão.
Ilustrações: Lucas Peron - 6 anos - sob orientação de sua mãe Nayara, minha filha.
Boa leitura!