Cagadas

Estou aqui, ainda acordada. O dia roubou o sono da noite. Abro a janela (sempre as janelas... o que seria da vida não fossem as janelas e os benditos parênteses?) e fico olhando um céu imenso, estrelado.
Quantas dessas estrelas já se apagaram e seu brilho ainda me atinge?
Quantas existem, cuja luz ainda está a caminho?
Olho um céu de cem anos atrás e tento esquecer o dia de hoje e os problemas que tenho que resolver amanhã. Que paradoxo!
Alguém pode avisar aquele céu que ele não existe mais?  Alguém pode dizer àquela estrela que seu brilho chegou tarde? Alguém aí em cima pode me dar uma luz?
Meus filhos acordam e perguntam com quem estou falando. Nem respondo. Vou até a cozinha e pego um copo de água. Eles vão ao banheiro e depois empilham-se na minha cama. Esquecem que cresceram. Querem saber por que perdi o sono e ao ouvir meu longo e duplo suspiro, o filho me diz:-    Sabe mãe, esse ar que você inspirou aí, ainda contém poeira cósmica.-    E essa água que você está bebendo,  já foi xixi de dinossauros - Diz a filha.
-    Pode ser, meus filhos... Pode ser... Mas neste momento estou respirando o pum que vocês acabaram de soltar. E o xixi que vocês acabam de fazer, amanhã será tratado, voltará às torneiras e será debitado na nossa conta de água. A realidade é agora, gente.
-     Putz... Eu fiz o número dois, também... E puxei a descarga. Que nojo! Quantos miligramas de urina a gente elimina por dia?
-     Sei lá... Uns quinhentos, acho.
-     E de merda? Meio quilo?
-     E eu sei? Isso é hora de fazer essas perguntas?
-     Uma cidade como Curitiba, que deve ter em torno de dois milhões habitantes, despeja um milhão de litros de mijo e mil toneladas de merda por dia. É isso? Imagina isso num ano?  365 mil toneladas de merda por ano, mãe... P u t a  q u e  o  p a r i u!
-     É uma grande merda! E vocês são jovens ainda... Imagine essa bosta toda vindo à tona quando vocês tiverem minha idade!
Demos boas risadas, apagamos a luz e dormimos abraçados. Afinal, com tanta merda neste mundo, porque perder o sono por causa de uma mensalidade atrasada na faculdade e outras pequenas cagadinhas do dia a dia?
Antes de fechar a janela, dei mais uma olhadinha pro céu e vi que as estrelas estavam todas lá, piscando prá mim.
"Ouvir estrelas... ora, direis"
Bilac sabia das coisas...

(Marilda Confortin -  in Pedradas - crônicas, 2002)