Crônicas de Itapuã III


Ontem fui passear de SalvadorBus, um ônibus turístico de dois andares, igual ao de Curitiba.

O ponto do ônibus era perto da praça do Vinícius. Passei lá e dei um abraço nele. Contei que você anda ouvindo o Samba da Benção, que tem saudades da Bahia de outros tempos, que tem andado muito triste e isto me preocupa. Ele deu aquele sorriso de poeta fingidor e começou a falar aquela parte da música que os homens adoram e as mulheres detestam:“Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza. Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade. Um molejo de amor machucado, uma beleza que vem da tristeza, de se saber mulher, feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e pra ser só perdão”.

Pópará, seu Vinícius e seu Ton(icato). É melhor ser alegre do que ser triste, vissi? Isso de mulher ser feita pra sofrer pelo seu amor e ser só perdão é resquício da escravidão. Masoquismo puro. E homem que idolatra esse tipo de mulher é aquele tipo que casa com uma Amélia pra ter filhos e tem dúzias de amantes pra conseguir sobreviver (pensa que é Vinícius). E se não tem, fica azedo, mal humorado e tão infeliz quanto a esposa. 

Ele disse que é por isso que estou sozinha. Pode ser, meu poeta. Mas não vou me fazer de besta só pra segurar marido, não. Estar só é uma arte, uma necessidade, todo poeta sabe disso. Somando todos os momentos que passei acompanhada por pessoas interessantes que depois seguiram seu rumo, cheguei a conclusão que tenho mais horas felizes do que a maioria das mulheres casadas que conheço. Até porque a maioria das esposas não conhece o próprio marido e a maioria dos maridos deixa de se interessar pela esposa assim que ela se torna mãe.  Viver uma vida inteira com uma pessoa só e não conhecê-la é um desperdício de vida, é quase um crime. Mas isso não tem importância nenhuma nesse momento. Vamos mudar de assunto, poeta. Que tal dar uma volta em Itapuã, tomar uma cachacha de rolha...

Vinícius não pode passear comigo. Estava todo amarrado, preso em fitas de isolamento. Disseram que prenderam ele porque andou aprontando umas por aí e não que mais ficar plantado naquela praça conversando com turista besta feito eu. Senti pena dele preso daquele jeito. Que dó. Um poeta que sempre prezou tanto pela liberdade...


Sempre invejei os turistas que passam olhando pros lados com ares de deslumbre, tirando foto até dos cachorros de rua e acenando para as pessoas. Queria ter nos olhos esse brilho de fotógrafo apaixonado, eternamente. Com o passar do tempo ficamos cegos para a beleza e só enxergamos a feiura que nos cerca. Não cumprimentamos nem o vizinho, quanto mais um turista. Dei tchauzinho para todas as crianças, fotografei barquinhos em todas as praias, fingi que não entendi a abordagem dos vendedores ambulantes e aceitei todas as fitinhas de lembrança do Senhor do Bonfim que me deram. Só me neguei a fotografar a sacada do apartamento dos artistas. Eu lá quero saber onde mora a Daniela Mercuri?

No meio do caminho tinha uma pedra. Não, não tinha. Tinha uma ladeira. Muitas ladeiras. E começou a chover. E aquela aguaceira toda começou a descer as ladeiras e inundou a cidade. Meu passeio turístico foi por água abaixo junto com caixas de papelão, embalagens de plástico, muito lixo e até carros. Ficamos presos no Mercado Modelo tarde toda. E dá-lhe cerveja outra vez. Um grupo de estrangeiros perdeu o avião e disse que ia processar a prefeitura. Ta bom...

Passei o noite em Itapuã, ouvindo o mar, o vento e a chuva de Itapuã.
Hoje amanheceu chovendo novamente. Fui ao Centro de Convenções, na bienal do livro. Essas feiras são todas iguais. Os alvos são as crianças e os crentes de todas as crenças. Isto é, os ingênuos. Vinde a mim os pequeninos e os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus... essa estratégia das editoras e escritores para vender livros é uma tremenda heresia.
Desvencilhei-me do grupo e me juntei aos cordelistas. Aí a coisa ficou boa.

Ouvir histórias com sotaque nordestino, contada e cantada em forma de cordel são outros quinhentos. Conheci alguns artistas locais. O Jotacê, o Maxado, a Zuzu e o Jurivaldo. Todos muito bons. Esse é o diferencial nessa feira. Os escritores locais estão presentes e têm um espaço para mostrar e vender seu material independente das grandes editoras.

Olha o professor Jotacê aí, de megafone em punho, anunciando os títulos na 10ª Bienal.



Amanhã irei vê-los e ouvi-los novamente no palco principal, depois do recital do Goular Gomes, o pai do Poetrix. Vou encontrar a turma que veio pro lançamento da antologia "501 poetrix para ler antes do amanhecer". Já estão por aqui além do GG, a Lilian, Antonio Carlos, Hercio, Gilvânia, Cyro...

Retornei à Pousada as 17 horas, com as pernas em cacos. 

Continua chovendo pacacete!