Tardes em Itapuã IV - Orixás

O tempo virou mesmo. Os últimos dias foram  de vento forte e chuva. Muita chuva. O povo daqui diz que fui eu, a curitibana, que trouxe esse temporal fora de época pra cá. Poderosa eu. Só não consegui fazer o tempo esfriar.  Tudo esquenta por aqui...
A pousada tem uma biblioteca. A maioria dos livros é de engenharia e no idioma esloveno. Na pousada Poesia, na rua da Poesia não tem livros de poesia. Pode? Inconcebível. Já registrei minha queixa e os simpáticos donos da pousada vão tratar de por poesia nas prateleiras e paredes.  Começando pelos meus livros de deixei eles.
Tempo feio...
_ O Tempo dá, o Tempo tira, o Tempo passa e a folha vira.

Quem me falou isso foi uma soteropolitana chamada Jacira...
Numa dessas estiada, saí para comer um acarajé na barraca da Cira, aqui pertinho. Dizem ser o melhor acarajé de Itapuã. E é bom mesmo. Pela segunda vez falei mal do tempo e recebi a resposta que merecia. Bem feito pra mim. Mas depois de ouvir esse ditado tomarei mais cuidado.  
- Bethânia é filha de Iansã, Caymmi é filho de Xangô e eu sou filha do Tempo – me disse Jacira e emendou:  - O Tempo é muito bom, mas quando se zanga sai de baixo! Não se deve falar mal dele... ele sabe o que faz.
Eu conhecia o Tempo como um estado da atmosfera, uma sucessão ininterrupta de instantes. Eu conhecia o Deus Tempo cantado num longo e lindo poema do Tonicato Miranda. Eu conhecia os deuses Chronos e Saturno das mitologias gregas e romanas. No México se referiram a Teotihuacán como o deus mais antigo, algo como o Tempo. Eu já ouvi falar do Tempo em vários contextos. Mas, nunca tinha ouvido falar no Orixá Tempo, cultuado tanto na Umbanda quanto no Candomblé.
Quem primeiro me falou dele foi Carlos Moreno, aquele compositor que conheci na praia. A frase inicial de sua canção diz: “Eu quero que o Tempo me jogue nas águas cristalinas de Itapuã, onde a luz da candeia ilumina o amanhã...”.  Achei a frase bonita, filosófica. Ele explicou que Tempo era um Orixá. Uma entidade muito complexa. Seus cultos e rituais eram cercados de mistérios. Por isso ele tinha poucos filhos e raramente manifestava nos terreiros e menos ainda nas festividades de carnaval.
- Na África, ele se chama Iroko, me disse Jacira. É representado por uma árvore muito frondosa que vive centenas de anos.
 
Como aconteceu com todas as divindades africanas, ele também teve que se adaptar ao clima no Brasil. Incorporou nas Gameleiras Brancas. Por ser consagrada a um Orixá importante é terminantemente proibido o corte das gameleiras por aqui. Na frente dos terreiros ela é marcada por um laço de pano branco e guirlandas.


Jacira me falou que na praça onde fica a pousado Poesia (na frente da casa do Juca Chaves) tem uma árvore onde ela costumava fazer oferendas para o Tempo. Disse que deixou uma imagem de santo lá em agradecimento. Contou que sua filha tinha pesadelos, assombrações. Daí ela levou pão de milho e grãos de arroz durante sete dias pro deus Tempo que mora no oco daquela gameleira branca e sua filha foi curada.   

Na volta fui conferir e realmente encontrei uma árvore cheia de estatuetas de quebradas. Mas não é uma Gameleira. Parece um Fícus, não parece?
Comentei com a Liomar, dona da pousada e ela disse rindo:

- Ah... então já sabemos quem deixou a imagem de Cosme e Damião ali.

Não entendi. Daí ela me contou que teve uma auxiliar de limpeza que se converteu em testemunha de Jeová e resolveu quebrar todas as imagens de santos que tinha em casa. Liomar pegou os pedaços e colocou lá na árvore. Daí em diante começou a aparecer imagens de santos e oferendas sob o pé de Fícus. E até milagres...
Não entendi se existe parentesco, mas o Orixá Tempo sempre está relacionado à Nanã. A mais temida de todas as Orixás. A mais respeitada. A mais velha e poderosa. A senhora da lama, do lodo, dos terrenos pantanosos que margeiam os rios e os mares. É a guardiã do portal entre vida e morte.  Esta eu conheci pessoalmente. Tem uma escultura dela lá no Tororó, um manancial natural, lugar muito bonito.

"Fui no Tororó
Beber água e não achei
Achei bela  morena
Que no Tororó deixei."
 .
Mais uma música que faz sentido. Dique do Tororó. É tão legal conhecer a origem dos poemas e músicas

Outra história interessante relacionada aos Orixás, ouvi do Franklin Maxado. Maxado é um intelectual, escritor, compositor, poeta e cordelista que conheci na feira.  Foi diretor de um museu, foi presidente da Academia Feirense de Letras, é um ativista e bem humorado e muito crítico. Autor do cordel A Psicanálise do Peido. Comprei de presente para o meu filho Ébano, psicólogo. Quem sabe ele não desenvolva uma nova terapia, baseada no peido.
“ Tem peido que vai
Ao divã do analista
Pois o peido é uma marca
Que o faz personalista
Podendo ser timidez
Ou até dum anarquista

O psicólogo então
Estuda a personalidade
Pelo peido que se solta
Se é de medo ou vontade
Se é coragem ou fraquez
Se de amor ou de saudade ...”   

Autor: Franklin Maxado “nordestino”.

Deixando o peido de lado porque é muito fedorento, voltemos aos Orixás: O Maxado me contou que o menor e mais caro metrô do mundo é o de Salvador. O projeto previa 40 quilômetros de extensão, foram construídos apenas seis e assim mesmo não funciona. Um dos motivos, me disse ele, é que os Exus estão zangados com os baianos e por isso empacaram as obras.

_ Tem que rodá o padê, despachá o Exu.  Tem que fazê as oferendas pro maió mensageiro dos Orixás. Esses engravatado tão negando a cultura do povo, abandonado as obras, descuidado das obrigação. Tão abusando do Seu Tranca Rua. -  complementou um ativista do movimento que estava no estande ao lado.     

Maxado tem um belo cordel sobre o empacamento do metrô, mas só sobrou um exemplar na Feira e por isso não me vendeu. Mas valeu a prosa.

Lilian Maial, Goulart Gomes e eu


Hoje foi o lançamento do livro 501 Poetrix para ler antes do amanhecer. O encontro com os poetrixtas foi muito bom. Muita gente veio ouvir nossas leituras. Ler poetrix é algo estranho. Poetrix precisa ser vizualidado, interpretado, digerido com demora.Não é assim, no grito.
 




Vou terminar encerrar minhas crônicas de Itapuã com outra música que está fazendo sentido agora. Só para os saudositas: