"Melhor morrer de vodca que de tédio"


"Melhor morrer de vodca que de tédio"

Por Marilda e Douglas - os fabricantes

- Como se escreve três em italiano?
- Não tenho certeza. Escreve quatro. Pronto.

E assim nasceu a festa “Quatro giorni in Itália”.
Éramos poucos, mas muito loucos. Queríamos mudar o humor da cidade. Inventávamos festas, roteiros turísticos, shows, festivais, exposições, concursos, mil projetos. Poucos aprovados, mas isso não importava. Nosso negócio era polemizar, polinizar.

- Escreve uma frase aí pro cartaz do dia 13 de maio.
- Ta. A Lei Áurea foi um serviço de preto.
- É preconceituosa. Faz outra.
- Então ta: A Lei Áurea NÃO foi um serviço de preto.

E a Jaine fazia o cartaz e o Diabo espalhava na cidade inteira. O circo pegava fogo. Apanhávamos dos pretos e dos brancos, depois saíamos todos juntos sambando no mesmo bloco na Avenida Marechal. Liderados pelo Glauco, suas porta-bandeiras e a bateria de todas as escolas de samba. Ninguém entendia nada.

Pra comemorar as diferenças criativas fazíamos uma comidinha na casa da Elisa e Douglas.  Éramos sócios na fabricação de uma vodca chamada Majakovskj, famosa nos bailes do Operário. Cada garrafinha levava uma frase do escritor amarrada no gargalo.
Jaine e Fernando Alexandre foram cúmplices da criação do desenho, da marca, da divulgação, dos porres e culpados pelo fanatismo criado pela maledeta.

- Outra vodka, tá louco!
Poeta Vladimir, em nanquim preto, só nos observava pela na janela. Belíssima arte, Jaine Suniê. Quem não gostava da vodca comprava só a garrafa. Era o mesmo preço. E quem gostava trazia a garrafa pra encher de novo. Era o mesmo preço. Não dava lucro, mas era divertido. Todos os intelectuais da cidade eram nossos clientes. Rei Bola era o divulgador oficiais para Curitiba e Rio de Janeiro. Tina e Suzana davam o maior apoio e o Armando nos protegia. Ele parou de beber a outra vodca a 70 graus porque disse que derretia a gengiva. Não adiantou nada. A Majakovskj derretia corações.

Politicamente incorretos. Todos nós.

- Que tal criar espaços para fazer festival de rock, poesia, música erudita, aproveitar a vinda do Dalai Lama e do Papa pra inaugurar e acabar com esse carnaval medíocre de Curitiba?
- Taí! Boa! Daí, quem não curte carnaval vem pra cá.

E lá fomos procurar áreas públicas ociosas. Tinha um monte. O Cachorro-Louco (Leminski, prá quem não sabe) indicou um lugar porreta onde costumava fazer piquenique. Voltamos cheios de carrapicho nos cabelos, pico-pico nas roupas e fomos direto pro bar do Pudim beber uma vodca e escrever o projeto.

- Vocês estão brincando comigo? Primeiro aquela história de Albergues para a Juventude Transviada e agora isso?
- Mas é uma boa idéia...
- Boa idéia é a cachaça que vocês bebem! Sumam da minha frente, cambada de hereges!

Foda-se. Prefeito idiota. Perfeito idiota. (Enga)vetou o embrião da Pedreira Paulo Leminski e muitos outros. Só porque éramos loucos e jovens.

Falando em Paulo, ele era um dos clientes mais assíduos da Majakovskj.  Somos cúmplices ou culpados pela sua poesia e sua partida prematura?

Como bem disse o mal dito Douglas, os sobrenomes e a biografia completa daquele  time, só passando por cima de nossos cadáveres. Pra isso não falta muito...
Um brinde aos bons e velhos amigos!


(Da série: “histórias secretas de amigos e inimigos” – por Marilda Confortin, com a co-autoria e cumplicidade do personagem principal)