DEIXA, DEIXA, DEIXA? - poesia


DEIXA, DEIXA, DEIXA?



 Deixa eu ser teu peixe
linha
lanho
feixe
lenha
gueixa
deixa, deixa, deixa?

Deixa eu ser tua fest
food
folga
festa
fresta
freira
sub
missa
sub
alterna
eterna amante?

Deixa eu ser tua erva
agri
doce
água
benta
hóstia
santa
ceia
seios
meios
fins
afim, afim, afim?

Deixa eu ser pimenta
no teu reino
páprica
picante
sarça
ardente
assim
assada
ao ponto G?

Deixa eu ser teu caldo
calda
cara
mel
risada
molho
malho
alho
óleo quente,
pene al dente
deixa, deixa?

Deixa eu ser teu chilli
curry
curra
carapuça
noz moscada
emboscada
arapuca
pururuca
deixa, deixa, vai?

Deixa eu ser teu sal
teu sol
tua alca
parra
pária
ária
hino
ode
pode, pode, pode?

Deixa eu ser a ostra
alfa
vaca
better
raba
nete
anja
diaba
tudo
e nada
deixa, deixa, deixa...
Ah... Deixa, vai?

QUINTA DOS INFERNOS


dia 6/04, a partir das 20 horas, tem poesia na
QUINTA DOS INFERNOS

Local: VILA DAS ARTES
Rua Rodrigo Otávio, 835 (entre a Itupava e a Prof. Brandão - Alto da XV)

O que é a QUINTA DOS INFERNOS?

A Quinta dos Infernos
começou numa quarta no Café Cultura,
ganhou a noite dos bares curitibanos
e acordou num domingo de manhã
na missa do Largo da Ordem.
A ordem é caos.
E o caos é na Quinta dos Infernos
seja lá quando e onde for isso.
Não temos compromisso.
Pode ser na primeira quinta do mês
ou na última segunda-feira.
Não temos eira nem beira.
Há quem nos ame e quem nos odeie
Quem se solte e quem se enleie
Quem recite e quem escute
Quem lute e quem titubeie
Quem cante e quem fique a esmo
Quem represente
e quem é assim mesmo.
(odeio a rima, mas quando me inspiro,
as palavras conspiram)
Artistas ou loucos?
Não somos uma coisa nem ostra
mas sempre rola uma pérola.
Se você entrou no clima, apareça.
Se não, esqueça. Vai achar um saco.
E como disse Maiakowski:
"melhor morrer de vodca do que de tédio"
(ou vice verso)
Se fez sentido, não importa.
A intenção da Quinta dos Infernos
não é alterar a ordem e sim os (f)atores.
(Marilda)
Um gran país

Vivo en un país tan grande
Que todo queda lejos...
La educación,
la comida
la vivienda.
Tan extenso es mi país
que la justicia no alcanza para todos.
parafuso

[... ] então ao morrer
não me desmontem
certamente falta um parafuso
certas coisas há que se rompem
entre outras já quase sem uso

Mulher - ensaio premiado



por Marilda Confortin



Quando o padre falou: “Eu vos declaro marido e mulher”, levei um susto.  Mas o quê é que ele pensava que eu fosse até aquele momento, então?  Homem? Assexuada? Indefinida? Animal?
Justo um padre, que não sabe nada sobre a mulher, vai me declarar “mulher”? Quase interrompi meu casamento e me atraquei no tapa com ele.

Isso me lembrou algumas datas comemorativas. Inventaram datas para tudo. Tudo o que deveria ser comemorado durante todos os dias, foi resumido num único dia. Tudo o que leva anos para se resolver, resolveram resolver num dia só. Fácil acabar com os problemas assim. Desse jeito, até eu faço.

Duas dessas datas, deixam-me particularmente incomodada.

Dia da mulher, por exemplo. Já começa por aí. Tem o dia do homem? Não que eu saiba. Recebi cartões, poesias e dezenas de e_mails inteiros falando um monte de coisas sobre minha beleza, força, compreensão, inteligência, sensibilidade.
Olhei cuidadosamente o destinatário para ver se não havia engano. Era para mim, mesmo. Me peguei rindo, imaginando que, se meus amigos homens dissessem aquelas coisas todos os dias e não só do dia da mulher, correriam o risco de se convencerem de que sou mesmo tudo aquilo que disseram. E aí teriam de admitir que não sou tão burra, tão feia, tão fraca, e até tenho uma certa sensibilidade. E teriam que aceitar o fato de eu ser igual a eles. E aí eu poderia querer ter os mesmos direitos. Já pensou?


É bem cômodo ter o dia da mulher. Se alguma vez esquecermos deste pequeno detalhe amigas, não precisamos nos preocupar. Sempre haverá um bom homem, do tipo que mente pouco (uma vez por ano. Só no dia da mulher) que vai nos lembrar do quão emocionante e lindo é ser do sexo frágil. De quanto ele nos admira pela força e inteligência por ter conseguido a genialidade de acumular às nossas funções, as dele também. Por fazer tudo o que faziam nossas avós, e ainda trabalhar fora o dia inteiro, disputando muitas vezes com o próprio marido ou filho, um mercado de trabalho cada dia mais escasso e desumano. E por estar sempre linda, jovem e bem humorada para nosso amado marido e filhos. Tudo em nome da tal liberação feminina.  E por fingir que acreditamos nessa liberdade.

Começo a acreditar que aqueles neurônios a menos, nos fazem falta. Como fomos cair nessa armadilha? E porque continuamos alimentando essa farsa? Merecemos ser consideradas uma minoria problemática e ter o dia Internacional da Mulher! 

Nessa mesma linha, tem o Dia das Mães.  Tudo bem, o dia dos pais também é um saco. Mas vejam a diferença nos cartões, presentes e mensagens.  Os cartões para o dia dos pais são decorados com cores e figuras sóbrias (lupas, furadeiras, livros,  mesas de escritório). Coisas concretas que lembram trabalho, austeridade, responsabilidade. Os cartões do dia das mães são imagens de santas,  flores, anjos, fadas. Como se fossemos etéreas, entidades abstratas, borboletas sem crisálidas.

Os presentes então, são de uma criatividade! Está na hora dos professores se perguntarem: “Quando uma criança lembra da mãe, o ele lhe vem à mente?”.  Um avental todo sujo de ovo?  Pano de prato? Grampo de prender roupa no varal?  Aparador de panela? Colher de pau? Saboneteira? Porta retrato?

Esses são os objetos que os professores de arte ensinam para crianças e as fazem presentear no dia das mães. Parece que somos só um compartimento da casa que precisa de um enfeite, de uma inutilidade. Não esqueçam senhores, que a maioria dos conceitos é formada lá, na escola. E que a maioria dos professores são mulheres.

E tem aqueles maridos que esquecem do dia do aniversário de sua esposa, mas lembram do dia das mães... E aproveitam para dar de presente a elas (às esposas), no dia errado, aqueles eletrodomésticos que já deveriam ter comprado há muito tempo. E ainda perguntam: “Gostou, mãezinha?” Quer que ela responda o quê? Maridos, maridos... Vocês estão confundindo as bolas. Dêem e digam isso para suas mães! Aquela que vocês chamam de avó, agora.

As mensagens então...  São verdadeiras orações à Virgem Maria. Não sei qual a conseqüência psicológica do que vou dizer agora, mas preciso contar um segredo: Nós, mães, não somos mais virgens. Deixamos de ser virgens muito antes de vocês nascerem, filhos. E de santas não temos nada.  Vocês não imaginam quantas vezes pecamos para conceber vocês. E com que prazer! E essa mania de enaltecer nossa aceitação em relação a dores e desgraças? Ai caramba! Nenhuma mãe gosta de sofrer, não. Parem com essa história de “ser mãe é padecer no paraíso”. Nós não somos masoquistas! E chega de dizer que somos entidades dotadas de infindável paciência, abnegação, bondade, capacidade de perdoar.  Tem paciência!  Isso é o que vocês querem que a gente seja. Que a gente diga amém pra tudo e perdoe todas as cagadas que vocês fazem.

Olha, enquanto vocês são pequeninos, ainda vá lá. A gente sabe que quem escreve essas besteiras não são vocês, crianças. Mas, convenhamos: Marmanjos, maridos, diretores e presidentes de empresa mandando essas mensagens para as mulheres? Parem!

 “Você diz isso por que não conhece minha mãe. Ela tem quase oitenta anos e é uma santa”, disse-me um amigo. Cresça, respondi-lhe. Coitada da sua mãe! Imagine a culpa que ela sente por ter criado você assim tão bobinho. Ela não vai morrer nunca, com medo de que você não sobreviva sem ela. Pare de se enganar dizendo que foi morar com ela, depois do divórcio porque ela precisava de você. É você que precisa de mãe e transforma toda a mulher em mãe. Por isso seus casamentos não duram. Cai na real!

Um dos maiores pecados que as mães cometem, é deixar que os filhos cresçam acreditando nessa baboseira toda. Elas se arrependem muito depois, podem ter certeza. É por isso que as mães rezam tanto. Não é porque são santas, não. É para pedir perdão pelos erros que cometeram na criação dos filhos e pela falta de coragem de dizer umas verdades. 

Não viverei para ver, mas acreditarei que evoluímos, quando todas essas datas forem extintas do calendário. Quando no dia a dia sem aviso prévio, respeitarmos as crianças, os velhos, os índios, os negros, os brancos, os pais, as mães, as mulheres, os homens, a natureza, a humanidade, a paz...


Autora: Marilda Confortin
Ensaio classificado em primeiro lugar no Concurso Internacional aBrace, sob o tema Mariposas – Mujeres sin capullo. Publicado no livro com o mesmo nome, Biachi e Pilar Editores, Uruguai, 2002. Impresso também em papel jornal e distribuído gratuitamente no estado do Paraná, dentro do programa Bibliomovel.